segunda-feira, 31 de julho de 2006

BERTA CARDOSO NO MUSEU DO FADO

Hoje, vou falar do Museu do Fado e da exposição ali patente, sobre a fadista Berta Cardoso (1911-1997).



Foi o irmão dela, Américo dos Santos, guitarrista amador, que a levou para a canção em 1927, tinha ela apenas 16 anos. Estreou-se no “Salão Artístico de Fados”, ao Parque Mayer. A passagem dos anos 1920 para a década seguinte, marcada pela ditadura e pela instauração da censura, assistiu igualmente ao aparecimento de publicações sobre o fado, dando conta das actividades de intérpretes, músicos, autores e compositores, com apontamentos biográficos, e com promoção de edições discográficas recentes e anúncios de espectáculos e digressões pelo país e fora dele.

Berta Cardoso seria capa de uma dessas revistas, logo em Outubro de 1930, a Guitarra de Portugal. Aí se escreveu que “chegou, cantou e venceu. E venceu sem esforço e sem exageros porque possui todos os requisitos necessários para ser cantadeira e triunfar”, com um “conjunto de dons próprios, que a impuseram sem favoritismos”.

A fadista actuava em situações distintas, que iam do teatro de revista a operetas, dos cafés aos salões de dança. Logo em 1929, aos 18 anos, actuou no teatro Maria Vitória, na revista Ricócó. Dois anos mais tarde, foi a Madrid gravar para a editora Odeon, acompanhada por Armandinho (Armando Augusto Freire) e Georgino de Sousa. Os seus êxitos “Lés a lés” e “Fado da Azenha” rapidamente se esgotaram.



Em 1932, pertencia ao elenco privativo do “Salão Jansen”, espaço prestigiado na rua António Maria Cardoso, em Lisboa. Nesse mesmo ano, foi ao Brasil (Rio de Janeiro, S. Paulo, Santos e outras cidades), no elenco da “Companhia Maria das Neves”, protagonizada por Beatriz Costa, e obteve substancial êxito.

A fadista, pioneira na internacionalização da música urbana lisboeta a par de Ercília Costa, voltaria a sair do país no ano seguinte, agora em direcção a África (Angola, Moçambique e Rodésia). O aparecimento de companhias fadistas profissionais, nessa época, facilitava a organização de espectáculos de grande peso.

Se a ligação ao teatro de revista se manteve ao longo dos anos, ela preferiu ser cantadeira, actuando no Café Luso, em 1936, e no Retiro da Severa, em 1937, ao qual pertencia como elemento privativo, isto é, com contrato de actuação. Em 1939, voltava ao Brasil, na companhia de outros nomes famosos do fado, como Alfredo Marceneiro. Antes, gravara actuações no teatro Variedades e no Retiro do Colete Encarnado, que seriam incluídas no filme de António Lopes Ribeiro, Feitiço do império, estreado em 1940. Nas décadas de 1930 e 1940, Berta Cardoso continuou a gravar, agora para a etiqueta Valentim de Carvalho. E associou-se também a anúncios na imprensa.



Na altura, havia uma discussão em torno do fado e da sua importância social ou não. Luiz Moita publicava palestras sobre o fado, emitidas na Emissora Nacional (O fado, canção de vencidos, original de 1936), a que respondeu outro autor, Victor Machado, com uma antologia de biografias (Ídolos do fado, original de 1937). Obviamente, Berta Cardoso estava integrada neste grupo: “uma cantadeira de mérito inconfundível”.

Os anos seguintes continuariam a ser de grandes sucessos, e que passariam pela televisão, já nos finais da década de 1950. Mas a exposição patente no Museu do Fado esclarece melhor os seus passos, com recurso a cartazes, excertos de filmes e sons que ilustram a importância desta mulher no panorama do fado.




Museu do Fado

Para além da magnífica exposição permanente, onde se observam a reconstrução de ambientes (sala onde se canta o fado, oficina de construção de guitarras), exposição de violas e guitarras, cartazes e discos, este espaço em Lisboa tem-se dedicado, desde 1998, a exposições temporárias, que desvendam melhor o fenómeno deste tipo de música urbana, hoje despojada do lastro ideológico mantido pelo antigo regime político. Assim, em 1998, decorreu a exposição sobre a imagem do fado na arte portuguesa, enquanto que, em 1999, uma exposição de xailes mostrou a exuberância estética dos adereços das cantadeiras.

No mesmo ano, e em colaboração com o Museu da Música, patenteou-se um conjunto de guitarras portuguesas. O ritmo de exposições manteve-se nos anos seguintes: em 2000, uma exposição de Carlos Paredes (Estar com Paredes) e um levantamento do fado na caricatura (de 1870 à actualidade); em 2001, Lisboa como voz de fado (1830-1930, incluindo a mítica Severa), de Portugal ao Brasil (rotas do fado no Atlântico, ou a sua internacionalização) e os Azulejos, o fado e a guitarra portuguesa (com colóquio internacional), além de um Roteiro de fado de Lisboa. Depois, marcaram a actividade do museu, em 2003, uma exposição comemorando os 40 anos de carreira de Carlos do Carmo, em 2004 uma sobre Amália e em 2005 uma sobre Stuart (O fado por Stuart Carvalhais).

Neste momento, o espólio do museu ronda as 13 mil peças, indo do repertório do fado a fotografias e jornais, de cartazes e adereços de actuações a troféus, medalhas e discos (78, 45 e 33 rotações por minuto). O Museu teve perto de 13 mil visitantes em 1999, atingindo quase os 20 mil o ano passado.

Em termos de actividades de investigação, catalogação, preservação e divulgação de património, o Museu estabeleceu um protocolo com a Universidade Nova de Lisboa para levantamento de pautas e acervo de discos (colaboração extensiva ao Museu do Teatro), para haver uma ideia mais precisa das existências físicas do fado. Ao mesmo tempo, procura fazer a edição de partituras e discografia do fado (identificadas 18 mil peças musicais, num arco histórico até 1950). Para este ano ainda, o Museu projecta editar, com prefácio de Rui Vieira Nery, os dois textos anteriormente referidos de Luiz Moita e Victor Machado.



[o texto seguiu de muito perto o catálogo Berta Cardoso, que acompanha a exposição, comissariada por Sara Pereira, que também me concedeu uma entrevista, facilidades de registo de imagens no Museu e autorização de reprodução de imagens do catálogo, e a quem agradeço sinceramente. O espólio de Berta Cardoso foi cedido por Américo Cardoso Bacelar e Ofélia Pereira, que tem o sítio Berta Cardoso; Ofélia Pereira, que manteve um contacto muito próximo com a fadista ao longo de muitos anos, projecta editar em breve um livro sobre sua vida e obra]

[a primeira parte deste texto passará hoje por volta das 10:00, como última crónica de uma primeira série na Antena Miróbriga Rádio ou 102,7 MHz (região de Santiago de Cacém) ]

domingo, 30 de julho de 2006

PAULO QUERIDO NO EXPRESSO DE ONTEM

Vale a pena ler o texto de Paulo Querido no Expresso de ontem (ver também o seu blogue Mas certamente que sim). Intitulado O fim da galáxia Gutenberg, põe em confronto um tempo em que o mundo era percepcionado através dos media "tradicionais" (livro, imprensa, rádio, televisão), de grande fiabilidade na informação, e ensinar era fácil, naquilo a que chama a infosfera, e a actualidade.

Hoje, a literacia é bastante mais do que dominar alfabetos e gramáticas. Diz Paulo Querido: "Saber ler os media num contexto de supressão/compressão do tempo e do espaço é o rito de iniciação ao mundo comunicacional pós-Gutenberg". E destaca o mundo em que as crianças vêem muita televisão e, consequentemente, recebem muitas mensagens publicitárias, traduzíveis na necessidade de uma nova literacia mediática. Na sequência da leitura estimulante de Lawrence Lessig (
Free Culture) , aponta essa literacia recente como crucial para a cultura da nova geração, de que o YouTube faz parte: os adolescentes deixam de ver a MTV, isto é, deixam de ver televisão, para passarem a ser televisão, construindo os seus próprios vídeos. Abandonada a televisão (e os media tradicionais), a relação com o mundo passa a efectuar-se, nas vertentes de informação, formação e lazer, pela internet (comunicação de espectro amplo) e pelo telemóvel (comunicação de espectro reduzido).

E aqui entra-se no centro do texto de Paulo Querido, embora apenas nos últimos três parágrafos do seu ensaio publicado no semanário e repercutido no seu blogue: como pode o professor captar a atenção dos alunos, se estes sabem "manifestamente mais sobre o que precisam [...] do que o suposto mestre? Como pode um pai nascido e crescido num mundo «read only» ensinar comportamentos e técnicas a um filho que cresce num mundo «read and write»? Para Paulo Querido, seguindo Lessing, o maior problema reside em os actuais letrados resistirem ao mundo «read and write».

É, certamente, um desafio, um grande desafio. Mas creio que poderíamos distinguir várias camadas - e reflectir sobre este optimismo tecnológico. Em primeiro lugar, há fundamentos que se mantêm: a língua, o alfabeto, a importância da comunicação interpessoal, a cultura e as tradições. Depois, os saltos tecnológicos criam gente de "dentro" e gente de "fora". Há os que aderem e os que recusam: nós não temos memória, mas a passagem da escrita manual para a máquina de escrever (no jornalismo, nos escritórios) - que terá ocorrido massivamente nas três primeiras décadas do século XX - causou enormes discussões. E maior discussão terá havido aquando da imprensa do já referido Gutenberg: maneirismos, formas artísticas, retórica, cultura, modificaram-se, ou morreram.

Em terceiro lugar, há a questão da velocidade de adesão. Nos outros momentos de ruptura tecnológica, houve um período de adaptação mais ou menos longo. A rádio precisou de quase uma geração para se tornar aceitável, no caso da transmissão de concertos (ao vivo versus por gravação em disco). Já a televisão, certamente devido ao poder da imagem, teve uma mais rápida adesão. A decisão de compra de um aparelho de rádio ou de televisão fazia-se atendendo ao poder de compra das famílias, em que componentes hoje desprezadas - como a harmonia da família, a formação e o lazer simultâneo - entravam em linha de conta. Quando surgiram os primeiros computadores domésticos (quinze anos atrás?), uma espécie de máquinas eléctricas de escrever mais avançadas, a adesão foi mais rápida e partiu dos pais tendo em conta a formação dos seus filhos. Basta olhar a publicidade da época, em que o computador era o garante de uma maior literacia. Dito de outro modo: quem não possuísse computador em casa era analfabeto funcional. Hoje, já passamos essa fase de distinção, pois os aparelhos banalizaram-se.

Com esta terceira reflexão, quero especificar que os tempos de adesão são, hoje, mais curtos e intergeracionais. Por necessidade de trabalho (ter correio electrónico), as empresas rapidamente se apetrecharam dessa valência. E, à internet, as empresas fizeram corresponder a intranet, a rede interna. Isso demorou algum tempo. Eu recordo-me desse tempo, que mediou entre 1994 e 1997, escassos dez anos atrás. E as empresas adoptaram a filosofia dos blogues de há 2-3 anos a esta parte. O que quer dizer, finalmente, maior rapidez de adesão devido a necessidades de trabalho - e não somente de lazer.

Uma quarta reflexão prende-se com a qualidade dos materiais que se produzem. Quando tive a primeira máquina fotográfica, gastei imenso tempo com ela - a ver as características técnicas, a experimentar o zoom, a profundidade de campo, a distinguir entre estéticas a preto e branco e a cores usando rolos com granulagem diferente, no sentido experimental do termo. Do mesmo modo quando tive uma simples esferográfica e um caderno, transitando da época da lousa de ardósia. A memória passou a existir no caderno, ao passo que o que fazia no quadro de ardósia tinha de ser limpo para fazer novas operações. Guardar, experimentar, comparar evoluções - eis um primeiro momento nesta reflexão. A qualidade gera outro momento. Muito do que eu escrevi em cadernos - poemas, esboços de contos - deitei fora algum tempo depois de executar. Eram simples experiências. Com as fotografias não segui esse rumo, pois havia um custo associado a cada imagem e porque elas retratavam um momento da vida.

Ora, os vídeos do
You Tube são, a esmagadora parte deles, experiências, coisas domésticas, "apanhados" - que colocamos em rede porque pensamos que alguém vai apreciar. Mas o lugar certo deles é o apagamento real daqui a algum tempo. Porque o seu valor estético intrínseco é nulo. E o custo económico é negligenciável (após ligação à internet e aquisição de máquinas digitais de imagem). Aprende-se? Claro que sim. A nossa vida individual é feita de permanentes momentos de experiência.

Contudo, não gostaria de misturar forma com conteúdo. Digamos que, e de forma simples, as tecnologias são formas, são ferramentas. O domínio tecnológico é fundamental. Mas precisamos igualmente de conteúdo, de matéria (lazer, informação, formação). O desenvolvimento técnico é mais rápido, porque as ferramentas são desenhadas para uma rápida utilização. Fazer um vídeo e colocá-lo no You Tube é muito mais fácil do que fazer um filme de celulóide ou um vídeo analógico. Mas fazer um vídeo onde se fale da filosofia de Platão ou do cultivo de uma cepa de vinho com determinadas qualidades exige saber ou encontrar alguém que fale disso com conhecimento. O domínio técnico apenas é de ordem do espectáculo, do efémero, do que desaparece na espuma do dia seguinte. Amanhã, há necessidade de aprender outra e outra tecnologia.

E, para concluir, gostaria de dizer que não concordo com a ideia do desaparecimento dos intermediários, sejam letrados ou apenas o nosso patrão. Se atingíssemos essa utopia de ausência de professores, polícias, patrões e outra espécies de profissões ou estatutos que não gostamos muito, seria que iríamos ser todos realizadores de vídeo? O colocar uma experiência no You Tube passa a ser um património de todos e não um facto de distinção individual, excepto para os iletrados de vários níveis (os que não lêem a sua língua ou não falam outras línguas, como o inglês, os desempregados de longa duração, os provenientes de profissões de força manual, os mais velhos). Mas também para estes há reciclagem possível. E se vivemos num mundo de rankings, de classificações, isso significa que há os que avaliam e os que são avaliados.

sábado, 29 de julho de 2006

AGENDAS CULTURAIS

Actividades organizadas pelas autarquias ou por estas apoiadas, assim como informação de festivais e indicação de locais de lazer. Enquanto projecto editorial, destaco a qualidade da agenda cultural de Cascais [envio das agendas por Carlos Filipe Maia, a quem agradeço].




sexta-feira, 28 de julho de 2006

ELEMENTOS PARA A HISTÓRIA DO JORNALISMO PORTUGUÊS (SÉCULO XX)

Embora a ritmo lento, os investigadores portugueses começam a publicar trabalhos sobre o jornalismo no século XX. O primeiro exemplo é a entrevista concedida por Ana Cabrera a Carla Baptista, no último número da revista JJ - Jornalismo e Jornalistas (nº 26). A razão principal da entrevista é a tese de doutoramento de Ana Cabrera sobre Marcelo Caetano e a imprensa, cuja edição em livro está concluída (Marcello Caetano: poder e imprensa, Livros Horizonte, 286 páginas, a lançar em Setembro).



Um dos tópicos investigados foi a lei da imprensa aprovada no tempo de governação de Marcelo Caetano (1968-1974). Para Ana Cabrera, foi criada a expectativa que Caetano seria um homem de mudança, face a Salazar. Desde 1968 que a imprensa (Diário de Lisboa, Diário Popular, A Capital) se referia à lei de imprensa, mesmo em artigos de fundo. Um abaixo-assinado, reunindo mais de 170 jornalistas de jornais de Lisboa e Porto, pediu-a; em 1971, surgiriam três propostas: dos próprios jornalistas e, na Assembleia Nacional, uma afecta ao Governo e outra assinada pelos deputados da ala liberal Sá Carneiro e Francisco Pinto Balsemão. Contudo, a lei de imprensa criada em 1971 e regulamentada em 1972 nada teria a ver com liberdade de imprensa, apesar da expressão atravessar todo o articulado.

Outro dos tópicos da investigação prende-se com o contexto económico dos anos 70. Para Ana Cabrera, a passagem de Marcelo Caetano pelo poder coincide com um período de compra dos jornais por grupos económicos
. A imprensa é uma forma de afirmação desses grupos económicos. Caetano apoiou as aquisições: se um jornal estava em má situação financeira, eram feitos esforços para não acabar com o título mas vendê-lo a um grupo que o tornasse viável. O único jornal a fugir a esta tendênia seria o Diário de Lisboa.

Um terceiro tópico da entrevista a Ana Cabrera incide sobre a ideia de os jornalistas serem uma elite no Estado Novo. Apesar de reduzido (353 jornalistas em 1960, 717 em 1974), os jornalistas eram um grupo próximo do poder e os seus salários, apesar de não muito elevados, eram superiores aos de outros grupos importantes como o dos professores. Para a investigadora, os jornalistas reuniam três condições das elites: trabalho na área da cultura, próximo dos assuntos de interesse do Estado e salários elevados. Faltar-lhes-ia um indicador importante para a definição de elite: a preparação académica acima da média.

É exactamente a questão académica - e a necessidade de cursos específicos para o jornalismo - que um artigo, assinado por Fernando Correia e Carla Baptista, aborda. Publicado na revista Cultura, Revista da História e Teoria das Ideias (2005), com o título O ensino e a valorização profissional do jornalismo em Portugal (1940/1974), os dois investigadores destacam o I Curso de Jornalismo iniciado em 21 de Novembro de 1968, promovido pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas. A duração do curso seria de quatro meses, quatro dias por semana, em horário pós-laboral com duas sessões de 50 minutos cada. Inscritos: 200 pessoas. Nuno Rocha, responsável pela publicação oficial do sindicato, exprimia-se assim: "o êxito da iniciativa excedeu as expectativas do sindicato".



As matérias e professores eram os seguintes: Língua Portuguesa (José Manuel Tavares), História Contemporânea (Joel Serrão), Doutrinas Filosóficas (Luís Ardisson Pereira), Direito (Nogueira de Brito), Economia (Xavier Pintado), História da Imprensa (José Manuel Tengarrinha), A Comunicação e os seus Meios (Navarro de Andrade), Prática da Comunicação (João Gomes), Sociologia da Comunicação (José Júlio Gonçalves), Técnicas Gráficas (Vítor da Silva), Panorâmica da Imprensa Estrangeira e Análise de Conteúdo (José Lechner). A maioria dos formadores eram professores universitários e liceais, enquanto João Gomes e José Lechner eram jornalistas e recém-licenciados pela Escola Superior de Jornalismo de Lille (França).

Com esta experiência, acumulada como outras propostas anteriores, o Sindicato Nacional de Jornalistas apresentou, em 1970, um "Projecto de Ensino de Jornalismo em Portugal", documento de 19 páginas assinadas por Manuel Silva Costa, presidente do sindicato, Jacinto Baptista, João Gomes, Cáceres Monteiro, José Lechner, Oliveira Figueiredo e Carlos Ponte Leça. O documento apontava a inexistência de uma escola de comunicação social, facto raro no conjunto de países do mundo. O projecto apontava para a existência de três níveis de habilitações: bacharel, licenciado e doutor. As cadeiras a ministrar incluiam sociologia, economia, história contemporânea, linguística, ciência política, sociologia da informação, jornalismo comparado e metodologia da pesquisa social. Mas a oposição ao projecto não permitiu a sua concretização.

O texto de Fernando Correia e Carla Baptista termina com informação sobre a primeira verdadeira escola de comunicação social, criada pelo ISLA (Instituto Superior de Línguas e Administração) - e que elimina a ideia do curso de Comunicação Social da Universidade Nova de Lisboa como o mais antigo do país. Em 1970, aquela escola superior solicitava a criação da Escola Superior de Meios de Comunicação Social (ESMCS), começando a funcionar no ano lectivo de 1971-1972. Tinha sustentação jurídica e económica (através do Banco Borges & Irmão, detentor dos jornais Diário Popular e Jornal do Comércio e da agência de publicidade Latina). O director da escola era o embaixador Martinho Nobre de Melo. José Lechner, já acima referido, era um dos docentes. A mudança de regime político e a nacionalização da banca afectaram a ESCMS, extinta já na década de 1980.

Notas finais: para além do lançamento em Setembro do livro Marcello Caetano: poder e imprensa, de Ana Cabrera, esta investigadora coordena o número 9 da revista Media & Jornalismo (do Centro de Investigação Media & Jornalismo), com textos de história da imprensa do século XX, a sair previsivelmente em Novembro.

YOUTUBE

Os vídeos alojados no YouTube não estão disponíveis no presente momento. As desculpas do blogueiro.

quinta-feira, 27 de julho de 2006

À ATENÇÃO DOS DIRECTORES DE JORNAL E DOS PROVEDORES DO LEITOR


UMA DESTAS NOTÍCIAS NÃO É TOTALMENTE EXACTA

Diário de Notícias e Público tiveram uma leitura divergente dos dados do Bareme de Imprensa da Marktest, referentes ao segundo trimestre em termos de audiência e ontem divulgados.

O Diário de Notícias escreve (não assinado) que diários como o próprio e o Público "viram as suas audiências cair". O Público (assinado por Ana Machado) escreve que o Público foi um dos dois jornais que "mostraram maiores subidas de audiência" (no lead).

[para ampliar as imagens, clicar em cima delas, embora a qualidade possa não ser a melhor]





Ainda não li os dados da Marktest (a newsletter com tais dados costuma chegar a leitores como eu no dia seguinte ao da libertação da informação para os clientes que pagam), mas, pela leitura dos jornais (e da newsletter Meios & Publicidade que citei hoje de manhã), a comparação estabeleceu-se com dois valores: 2º trimestre de 2005 e 1º trimestre de 2006. A comparação com o 1º trimestre de 2006 é favorável ao Público, mas já não o é com o 2º trimestre de 2005 - daí o valorizar-se o positivo e remeter para o corpo do texto (que a jornalista faz bem) o negativo. Quanto ao Diário de Notícias, a análise da Marktest não permite um só sorriso.

O dia correu bem ao Público, pois, ao lado, o título de uma breve é A contratação. Onde se conta que o novo editor de economia veio do Diário de Notícias. É uma resposta a contratações no sentido inverso, mas parece resumir o seguinte: o modelo da edição do Diário de Notícias é bom e o do Público tem sido menos bom (incluindo o suplemento de segunda-feira).

Tenho de dizer que, na leitura de estatísticas de vendas e audiências, este comportamento dos jornais é recorrente - e magoa-me, enquanto leitor. Vou continuar a ser leitor dos dois jornais, mas garanto que olho para os jornais com crescente cinismo, tal e qual como os jornalistas olham os actores sociais e políticos que aparecem nas suas notícias. Os leitores são activos; e, se forem proactivos, deixam de comprar jornais.

ÁSIA DISCUTE FUTURO DO DIGITAL NA RÁDIO

[fonte: Media Net Weblog]

No próximo mês, a partir do dia 14, em Kuala Lumpur, cerca de 40 especialistas asiáticos e de outras partes do mundo discutirão a importância da transição da rádio para a transmissão digital, na segunda convenção de rádio digital ABU.

Na convenção, e nas mesas redondas a decorrer na mesma altura, e para além da indicação dos desenvolvimentos tecnológicos, haverá uma focagem em temas de implementação e aplicação - factores de decisão, produção de conteúdos, padrões tecnológicos, recepção e consumo. Os diversos standards de rádio digital internacional (DABWorld, ISDB, HD Radio and DRM) estarão presentes.

Para conhecer melhor o programa, visitar www.abu.org.my/digitalradio.

QUEBRA DE AUDIÊNCIA NA IMPRENSA

As publicações generalistas portuguesas apresentaram uma tendência de quebra homóloga praticamente generalizada na segunda vaga do Bareme Imprensa da Marktest. No total de jornais (diários, semanários e revistas) houve escassas excepções.

[dados recolhidos da newsletter Meios & Publicidade de hoje; irei ler atentamente o que os jornais dizem sobre o mesmo assunto]

INVESTIMENTO PUBLICITÁRIO EM JUNHO

De acordo com a informação da newsletter da Marktest, em Junho de 2006, das quase três milhões inserções publicitárias a maior fatia do total investido (a preços de tabela) foi dirigida à televisão: 69,7%. A imprensa captou 19,1% e os restantes 11,1% pertencem aos outros meios (análise da MediaMonitor).



O top de anunciantes em Junho é o seguinte:

quarta-feira, 26 de julho de 2006

NÚMERO MAIS RECENTE DA REVISTA JORNALISMO & JORNALISTAS

Chegou-me hoje às mãos o número 26 da JJ - Jornalismo & Jornalistas. Destaco a entrevista concedida por Ana Cabrera a Carla Baptista, onde a primeira fala da sua tese de doutoramento sobre Marcello Caetano, a imprensa e os jornalistas.

COMO SÓCRATES CONDICIONA A INFORMAÇÃO

Este foi o título de peça assinada por Ângela Silva (com ilustração de Gonçalo Viana) e publicada no Expresso do último sábado. Vale a pena olhar para a peça e reflectir.



Em primeiro lugar, trata-se de uma matéria que importa muito aos jornalistas, na sua relação com fontes políticas. Relações mais amistosas ou mais distantes são as que se constatam ao compararmos os vários políticos - o que significa que eles são diferentes e têm comportamentos diferentes. Já a
1 e 2 de Setembro de 2005, escrevi aqui sobre o mesmo tema, a propósito de um artigo também de Ângela Silva (e outra jornalista, Sofia Rainho) sobre os homens que escreviam para o presidente Jorge Sampaio (Expresso, 11.11.2000) e de um outro trabalho saído no mesmo semanário a 22.2.1997 sobre António Guterres e a sua equipa de assessores para os media (texto de Orlando Raimundo). Daí, eu concluir que se trata de um tema recorrente, e ilustra o interesse que os jornalistas colocam na sua relação com as fontes políticas.

Em segundo lugar, a peça presente de Ângela Silva tem uma só fonte como interlocutora: Luís Bernardo (três vezes), assessor do Primeiro-Ministro. Nos momentos em que ela cita refere-se a Luís Bernardo, "explicam em S. Bento" (duas vezes), "O gabinete de Sócrates". Há ainda três citações atribuíveis a difusas fontes de outros ministérios - uma delas, com uma resposta extremamente desagradável (mal-educada) para a jornalista: "Vejo que gosta de emprenhar pelos ouvidos". O que quer dizer, parece-me, que se trata de comparar atitudes de dirigentes políticos no Governo e seus porta-vozes. Algumas não serão modelares.

Em terceiro lugar, deve encaixar-se o primeiro parágrafo e o último (aqui a última frase). Quanto a mim, é o núcleo do texto do Expresso. No começo da peça, a jornalista descreve as pretensões do governo anterior, de Santana Lopes, de querer uma central de comunicação sediada no Conselho de Ministros e com um director-geral, enquanto José Sócrates centraliza em si a comunicação do Executivo. No último parágrafo, Ângela Silva comenta que, a par do controlo da informação, existe uma política de anúncios, "já apelidada pela oposição de «propaganda»". Embora não queira ser simplista na análise, controlo de informação, propaganda e informação dos actos de governação fazem parte de um só corpo - a necessidade de um Governo falar de si e o interesse dos jornalistas em escreverem sobre o que o Governo diz. Há uma relação simbiótica de uns e outros pela procura (e fornecimento) da informação. O que pode divergir - e é o que acontece - é a posição pessoal de criar um corpo mais ou menos alargado de colaboradores na tarefa de divulgar informação governamental. Com mais um elemento: o que para o Governo é informação, para a oposição é propaganda. Basta mudar a direcção política do Governo, para os partidos inverterem a sua análise a esse fluxo de informação.

Em quarto lugar, e embora pareça verdadeiro o propósito do Primeiro-Ministro em "fechar as torneiras" da informação, continua a haver comunicação dos outros ministérios: os ministros falam, os assessores de imprensa existem. Talvez haja mais coordenação entre os vários elementos da governação, o que é mais sensato do que comunicar ideias novas todos os dias e esquecê-las no dia seguinte. O fundamental é que, hoje, um Governo existe se tiver uma boa política de mediatização. Claro que é a principal fonte de informação dos jornalistas, pois tem dados que mais ninguém possui - onde se aplica um investimento, que prioridades sociais e políticas, como se comporta o país em assuntos de relações externas.

Em quinto lugar, e que me recorde dos outros textos sobre o tema, não havia uma espécie de remoque na distinção entre comunicação e "jornalismo de intriga e politiquice". Isso não se virará contra o próprio Expresso, agora que o ameaça a sombra do futuro semanário Sol?

terça-feira, 25 de julho de 2006

VELEIRO EUROPA

Uma visão dos 50 anos das Tall Ships’ Races, por Maria João Eloy, arquitecta, a acompanhar texto a publicar no blogue
infohabitar, possivelmente na próxima segunda-feira.


autoria: M.J.Eloy © 2006
COMUNICAÇÃO E JORNALISMO NA ERA DA INFORMAÇÃO

Com esta designação, foi editado, pela Campo das Letras, um livro organizado por Gustavo Cardoso e Rita Espanha.

Segundo de lê na contracapa: "O objectivo deste livro é discutir o que caracteriza o(s) modelo(s) comunicacionais presente(s), tentando captar a sua essência, interpretando-a e procurando fazer um ponto da situação em termos teóricos e em estudos de caso sobre a realidade portuguesa e internacional, compilando os resultados de diversas pesquisas que foram sendo desenvolvidas no quadro do Mestrado de Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação do ISCTE e da Pós-graduação em Jornalismo ESCS/ISCTE e que resultam num contributo para o «estudo da arte» sobre comunicação e jornalismo em Portugal".

No livro, há contributos de Gustavo Cardoso, Rita Espanha, Daniela Santiago, Eduardo Cintra Torres, Tânia Soares, Susana Santos, Tânia Cardoso, Carlos Cunha, Pedro Pereira Neto, José Pedro Castanheira, Isabel Resende, Luís Proença, Artur Cassiano e Inês Pereira.
O ARRASTÃO VISTO POR CLARA ALMEIDA SANTOS

No ano passado, uma das notícias mais impressionantes da realidade nacional foi a do arrastão de Carcavelos [ver a minha reflexão, datada de 10 de Julho de 2005] (o arrastão ocorrera a 10 de Junho). Em que consistira? As notícias falavam de 500 indivíduos jovens e de cor, que tinham espalhado o terror na praia de Carcavelos, roubando tudo o que puderam.


Agora, na revista do ACIME (Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas), do presente mês, Clara Almeida Santos, investigadora da Universidade de Coimbra, reflecte sobre o acontecimento. Segundo ela, tratou-se de "um momento muito importante na história da relação dos media com o tema das migrações e, sobretudo, das minorias étnicas. Os vários estudos sobre o retrato da imigração veiculado pelos media em Portugal têm dado conta de uma progressiva consciencialização por parte dos jornalistas das sensibilidades em jogo, acompanhada de um melhor tratamento da problemática. Problemática no sentido em que a palavra se opõe a acontecimento". E anota, mais à frente: "No caso do arrastão, juntam-se aos constrangimentos habituais o facto de o episódio ter acontecido a uma sexta-feira, feriado, estando pouca gente nas redacções, quase à hora do fecho da edição do dia seguinte, sem grande margem para confirmações".

Para Clara Almeida Santos, "Curiosamente, um ano depois, deu-se uma inversão do objecto de debate: interessam menos os supostos roubos e agressões levados a cabo por um número indeterminado de jovens do que o tratamento dado pelos media, esse sim no epicentro de todas as discussões". É que uma das questões mais importantes foi a ideia de pânico moral, em que, através da repetição de uma mentira, a qual não foi desmentida, aquela acabaria por se tornar verdade.

A FONTE NÃO QUIS REVELAR - OUTRA VEZ

Obrigado à Campo das Letras (Porto) pela edição e ao Instituto da Comunicação Social pelo apoio à edição. Obrigado a Margarida Baldaia, da editora, pelo apurado trabalho de revisão do texto (ficou mais claro, embora todos os erros encontrados sejam meus), e a Susana Santos, pela capa, que gostei muito. Esta lembra a banda desenhada, com um grande balão a servir de enunciado e a querer significar "revelação", "última hora", "exclusivo", "bombástico". A fita magnética, solta do seu suporte, aponta para uma precipitada divulgação de informação confidencial (ou escutas telefónicas).

Do título na capa (abandonado o subtítulo para o interior) veio-me à ideia o título do livro de Todd Gitlin (1980), The whole world is watching, cuja explicação surgia na página 187 (uma reportagem televisiva dava notoriedade nacional a um dirigente associativo, anónimo até aí).



O livro (255 páginas) é sobre as relações entre fontes de informação e jornalistas e tem como estudo empírico notícias produzidas nos anos de 1982 a 1994 acerca da saúde (mais propriamente VIH-sida).


Do livro, deixo um pequeno texto, à guisa de promoção (pág. 65):
  • A grande alteração [do Diário de Notícias] de 1984, com Mário Mesquita como director, foi quando o jornal passou de broadsheet para tablóide, em 21 de Maio. Depois, em Dezembro de 1988, o conselho de gerência destituía a direcção liderada por Dinis Abreu, mas, em Janeiro seguinte, a direcção era reposta. Tal acto revelou o peso da direcção e da redacção sobre a administração estatal e abriu caminho para a privatização do jornal, que decorreria a 15 de Maio de 1991, rendendo ao Estado quase 42 milhões de euros (8,4 milhões de contos). O grupo Lusomundo passava a deter a maior parte do capital (dois milhões de acções), acumulando com a maioria de capital no Jornal de Notícias (Porto). Em 1989, a tiragem do jornal andava nos 60 mil exemplares. No final do Verão do ano seguinte, a velha rotativa dava lugar ao offset: a profissão de tipógrafo pertencia ao passado.

A FONTE NÃO QUIS REVELAR

OBRIGADO ANA PAGO, OBRIGADO DN

Pela referência ao meu livro A fonte não quis revelar - Um estudo sobre a produção das notícias na edição de hoje do Diário de Notícias.

segunda-feira, 24 de julho de 2006

SOBRE O MEU NOVO LIVRO

Soube hoje, por colegas e jornalistas, que já saiu o meu livro A fonte não quis revelar - um estudo sobre a produção das notícias.

A editora - Campo das Letras - ainda não me informou de tal. Será que se zangaram comigo? Ou: como gosto de andar em cima das novidades mas nem sequer sei da saída de um livro meu, isso significa que estou a perder qualidades?

Vou sair agora, a ver se descubro um exemplar e comprá-lo. Estranho, não?


Actualização (21:49) - não encontrei o livro na livraria mais perto de casa, mas já sei que custa €13,66 (na FNAC, com desconto, o preço é de €12,29). Amanhã, irei comprar um exemplar, contribuindo para os meus próprios direitos de autor! E descobri haver um outro Rogério Santos, que tem um livro chamado Handebol 1000 exercícios. Afinal, há sempre um homónimo desportista; só não sei o que faz o h em handebol. Actualização de actualização (21:57): o autor do handebol é brasileiro (logo, a grafia está correcta), de nome completo Lúcio Rogério Gomes dos Santos, o livro vai na quarta edição e tem mais dois trabalhos publicados e intitulados Hidrofitness e Hidro 1000.

SOBRE A PRODUÇÃO DE UMA TELENOVELA

Há um livro coordenado por Alexandre Hachmeister, Queridas feras, que conta a história da telenovela com o mesmo nome que passou no canal comercial TVI, entre Novembro de 2003 e Outubro do ano seguinte, e que me serve para a crónica de hoje. Da sua leitura, retiro quatro assuntos: argumento, espaços geográficos da história, realização e picos de acção da novela.

O primeiro assunto é o argumento – e a maneira como ele se desenrola até chegar à representação que vemos no ecrã do televisor. A novela Queridas feras começara a ser gravada no final de 24 de Setembro de 2003, tendo-se prolongado até Julho de 2004. Mediaram dois meses entre o começo das gravações e a emissão, mais precisamente a 30 de Novembro de 2003.

O primeiro nome seria Um lugar ao sol. Mas, como as mulheres apareciam como as grandes feras da história, o título definitivo fixou essa característica. A Casa da Criação, empresa responsável pelo argumento e diálogos da novela, fez reuniões frequentes com responsáveis da TVI (e da NBP), para aferir os resultados. Assim, conclui-se, a novela é um trabalho colectivo, a nível de texto e da direcção artística, e que segue estudos de mercado feitos pelo cliente.

Um objectivo inicial reside na definição de público-alvo. Dada a especificidade da TVI, canal popular, procura-se que a novela alcance a família (mas englobando variáveis de heterogeneidade a nível social e etário). Depois, atende-se à estrutura da escrita, com a ideia de núcleos e fases da história. No caso de Queridas feras, a história centrava-se em torno de duas famílias rivais, os Guerra e os Gama, mais duas ou três famílias, um grupo de amigos que vem de fora e personagens isoladas como Mónica. Dos temas, os guionistas destacariam “pais separados” e parque temático.

O plano de acção inclui uma sinopse de cada cena, trabalho distribuído pelos cinco guionistas. Um guião pronto tem 50 páginas, de 25 a 30 cenas. Há uma pessoa a rever cada episódio na Casa da Criação, que coordena a equipa de guionistas. Quando a novela começou a ser escrita, a história tinha 120 episódios, mas subiu para 220, a meio do processo. Por vezes, a equipa de produção sugere temas e pede para desenvolver personagens secundárias, no sentido de criar a multi-história e ultrapassar o triângulo dos protagonistas.

Um segundo assunto é o dos espaços geográficos de filmagens exteriores. Dado a história passar-se no Alentejo, a câmara municipal de Évora manifestou imediato interesse em colaborar, chegando à forma de protocolo com a NBP. Ideias: divulgar o património arquitectónico de Évora, o rejuvenescimento do Alentejo e a qualidade de vida no interior do país. Assim, em termos de história, a arquitecta Mónica (desempenhada por Fernanda Serrano) tinha um apartamento em Évora, o jovem Alex (desempenhado por José Fidalgo) fora passar férias numa barragem alentejana e procurou trabalho no parque temático Safari Park (em Santiago do Cacém). A novela começara com um conde (de Monte Belo), arruinado, e com um grande rival, Afonso Guerra, um novo-rico regressado da Austrália, e que residia na praça do Giraldo, o coração da cidade de Évora.

Quanto ao Badioca Safari Park, juntou-se a ficção e a realidade. Os visitantes que se deslocam no parque temático fazem-no por três razões: ver aves e animais da quinta e fazer o safari propriamente dito. Os animais incluem zebras, antílopes, búfalos de água, tigres de Bengala (estes em cativeiro) e girafas (um dos exemplares dá pelo nome do parque, Badoca).

Pela complexidade e duração da novela, a sua realização recai em três profissionais. O principal realizador, Manuel Amaro da Costa, via-se como maestro numa orquestra, dada a relação estabelecida entre os vários sectores, e tinha Patrícia Sequeira e Telma Meira como co-realizadoras. Aqui, há uma repartição de equipas que filmam exteriores e interiores. Os cenários, construídos por Raul Neves, são um outro elemento a destacar, pois a ligação entre exterior e interior de um cenário tem de ser realista. Um ensaio precede cada cena gravada, em que três câmaras se situam na parede que falta na sala.

Um quarto tema que destaco é aquilo a que se chama picos de acção. De cinco em cinco episódios, há uma história que acaba – precisando de um pico de acção para fazer esse corte e transição. De Queridas feras destacam-se duas cenas. Um aconteceu logo no seu começo: um casamento realizado em adega típica de Colares. Na boda, Xico Zé, que casara com Lili, vês esta com Afonso Guerra. Propõe o noivo um brinde à sua mulher e ao seu amante. Outro pico de acção foi o corte de cabelo de Fernanda Serrano, cuja personagem tinha o cabelo a cair, por tratamento de cancro da mama. Curiosamente, na altura, Fernanda Serrano era a cara da publicidade de um banco comercial, pelo que houve necessidade de gerir a nova imagem de mulher com cabeça rapada.

Leitura: Hachmeister, Alexandre (coord.) (2004) O livro Queridas feras. Lisboa: NBP – Produção Audiovisual e Element – Produção Audiovisual

Texto da crónica que passará hoje por volta das 10:00, na Antena Miróbriga Rádio ou 102,7 MHz (região de Santiago de Cacém)

domingo, 23 de julho de 2006

MEMÓRIA E GUERRA

Escreve hoje Mário Mesquita na sua coluna do Público: "o Governo Zapatero tarda a publicar a Lei da Memória Histórica, prometida para o passado dia 18 de Julho, em que perfizeram 70 anos sobre a rebelião de Franco contra a II República". Razão: a transição pacífica de regime na Espanha pós-franquista levou à instalação de um pacto de esquecimento capaz de "exorcizar a memória dos combates, dos massacres, da violência". Durante o mês de Maio de 1977, em trabalho de reportagem em Espanha, o jornalista e professor universitário observara essa transição. Agora, no momento da passagem dos setenta anos do começo da sangrenta guerra civil que se abateu sobre o país vizinho, é tempo de trazer à memória os factos e as consequências desse período. Conclui Mesquita que "Legislar sobre a memória não parece deste mundo".

"Estão dispostos a perdoar, mas não a esquecer" - eis o lead de uma página do El Pais de hoje, exactamente a propósito da Lei da Memória Histórica, em que os antigos presos políticos pedem que seja reconhecida a sua tragédia. E descendentes de antigos combatentes querem saber onde estes foram enterrados, para lhes prestarem uma última homenagem. Para além de uma reparação moral das represálias que atingiram filhos e netos dos antigos combatentes.



Estas histórias de esquecimento e memória ocorrem num momento em que o Líbano passa por momentos dramáticos: uma guerra com Israel. Na quinta-feira passada, Timothy Garton Ash, no Guardian, escrevia sobre a nova desordem multipolar (traduzido para castelhano na edição de hoje do El Pais). Ash entende que, até à queda do império soviético, se vivia numa ordem bipolar - ou se era a favor dos americanos ou dos soviéticos. A guerra fria teve este embate bipolar como centro da sua ideologia. Apesar do confronto permanente, havia uma verdade - um lado contra o outro. Após a queda da União Soviética e do muro de Berlim, e com os avanços económicos da China e da Índia e o crescimento do movimento radical muçulmano, deixou de existir a certeza bipolar. Assim, vive-se hoje numa desordem multipolar mundial.

Para além do (res)surgimento económico de Estados (Brasil, China, Índia, Rússia), cujos recursos energéticos concorrem com os das economias ocidentais, surgem outras tendências. A primeira é a do poder crescente de actores não estatais, e que vão desde ONGs como o Green Peace até movimentos radicais terroristas como o Hamas, o Hezbolá e a Al-Qaeda. Uma segunda tendência aponta para as tecnologias: os avanços tecnológicos, em especial nas indústrias do armamento e na violência, chegam a pequenos grupos, que podem espalhar o terror com meios reduzidos, e que conduziram aos acontecimentos das Torres Gémeas em Nova Iorque, e nos transportes em Madrid e Londres.

A multipolaridade é um conceito que tem vindo a ganhar consistência desde 2003, quando Chirac, o presidente francês, disse que isso era positivo. Mas, reflecte Ash, ele não se referiu a ordem ou desordem multipolar. E o que parece estar a acontecer é exactamente essa multipolaridade sem ordem, o que impossibilita o reconhecimento rápido e seguro dos vários agentes sociais envolvidos numa questão. Muitos são secretos ou actuam a mando de outros. Ash aconselha prudência: se a multipolaridade é melhor que a bipolaridade, as democracias ocidentais têm sérios problemas em lidar com essa desordem multipolar. A guerra no Líbano é um exemplo dessa incapacidade de lidar com o novo modelo.



A formação e manutenção da opinião pública passa por um conhecimento o mais perfeito do mundo de desordem multipolar. Em que os jornais continuam a ter uma grande importância. Conhecer a geografia do Médio Oriente, quem são os povos que os habitam e a sua história antiga e recente, as suas religiões e tipos de Estado, resultam de cultura geral mas, também e cada vez mais, da leitura atenta do que os jornais fornecem.

Encontro um exemplo no Observer de hoje: um dos textos descreve a importância da comunidade xiita no mundo árabe (10 a 15% do total de 1,4 mil milhões de árabes), confortada pela queda do poder sunita no Iraque (apesar de minoritário) e pela agenda política e de apoio do regime do Irão. Um texto assinado pelo editor do Daily Star, de Beirute, confere outra perspectiva - apesar de não evidente no texto, há uma assunção crítica sobre o Hezbolá, apesar do momento ser de unidade. O importante, diz, é que os árabes lutem pela sua terra, dignidade e esperança num mundo melhor para os seus filhos. E outros textos, embora também não evidentes (não tendenciosos), apontam na perspectiva de defesa dos israelitas. Sem esquecer a minoria cristã libanesa, que ontem teve o seu primeiro grande susto, com a destruição de antenas de televisão e telemóveis na sua área residencial.

sábado, 22 de julho de 2006

LIVRO DE JOSÉ AFONSO FURTADO E ANA BARATA

Mundos da Fotografia. Orientações para a constituição de uma Biblioteca Básica, de José Afonso Furtado e Ana Barata e editado Centro Português de Fotografia, é mais do que uma orientação para uma biblioteca básica de fotografia.





Primeiro, é uma cuidada obra sobre fotografia, da dimensão (22 x 21 cm, 215 páginas) ao conteúdo, onde se harmonizam texto e imagens. Depois, a extrema atenção posta nas referências bibliográficas ao longo do livro, enquadradas nas propostas dos vários capítulos. Assim, é possível acompanhar a bibliografia existente sobre alguns fotógrafos portugueses, bem como a nomeação de publicações periódicas e sítios da internet sobre fotografia. Em terceiro lugar, o destaque à génese da obra, que começou como artigo para a revista Ersatz e, felizmente, acabou em livro, dada a importância dos materiais entretanto acumulados pelos autores.

A monografia agora publicada tem, simultaneamente, um aspecto pedagógico - indicar fontes de informação sobre fotografia, em especial textos teóricos - e um lado ensaístico e histórico sobre esta importante indústria cultural (e forma de arte, também), que é a fotografia. Isto apesar dos autores esclarecerem ao início não se tratar de uma síntese da história da fotografia nem um ensaio sobre a fotografia. E escreverem pouco depois que não seguiram um critério de origem ou nacionalidade dos fotógrafos, nem movimentos ou acontecimentos relevantes. Sem nunca esquecerem o objectivo inicial: escrever sobre colecções de documentos que formam uma biblioteca.

Mas torna-se importante a sua reflexão, pois ela é um elogio aos fotógrafos - não basta ter uma boa máquina fotográfica para fazer fotografias, é preciso haver um olhar para captar o momento (e, igualmente, o momento) - e aos que sobre eles escreveram, fossem historiadores, sociólogos, semiólogos ou estetas.

Retiro o que se lê na introdução:

  • "A nossa abordagem foi diferente. Procurou-se associar as orientações e critérios específicos para a constituição de colecções documentais, elaboradas por instituições que têm responsabilidades normativas no campo da biblioteconomia e documentação [...], com o conhecimento não só da evolução da fotografia e das questões culturais, sociais e económicas que sempre a acompanharam, como com as diferentes perspectivas teóricas que tem suscitado em anos mais recentes" (pág. 8).

E, nas conclusões, o seguinte:

  • "A fotografia surgiu com a sociedade industrial, em estreita ligação com os seus fenómenos mais emblemáticos: entre outros, o surto das metrópoles e da economia monetária, as transformações do espaço, do tempo e das comunicações. Tudo isto, associado ao seu carácter maquínico, estabeleceu, em meados do século XIX, a fotografia como a imagem da sociedade industrial mais adequada para a documentar, para lhe servir de instrumento e para actualizar os seus valores" (pág. 204).


Do que se lê no livro? Invenção dos processos fotográficos, história e histórias da fotografia, evolução da fotografia, tendências recentes, desenvolvimentos temáticos e outros recursos de informação (revistas, sítios de internet, museus e arquivos).

José Afonso Furtado é director da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian e Ana Barata é bibliotecária da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.

Observação: agradeço a José Afonso Furtado a oferta de um exemplar do livro.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

RELATÓRIO AMERICANO CONCLUI: MAIORIA DOS BLOGUES SÃO REGISTOS PESSOAIS E NÃO JORNALISMO

Segundo texto de Oliver Luft, da newsletter Journalism.co.uk de anteontem, um relatório da Pew Internet & American Life Project indica que somente 34% dos blogueiros americanos se consideram jornalistas. O relatório teve como base um inquérito telefónico a 233 blogueiros americanos, em que 80% indicavam escrever como forma de auto-expressão. Mais de um terço dos blogueiros americanos usa a sua vida pessoal como primeiro tópico das mensagens, e apenas 10% escrevem sobre política e governo. As notícias representam cerca de 5% dos temas, um pouco abaixo de entretenimento e desporto.

Em vez de oferecer uma alternativa viável aos media tradicionais, a investigação conclui que apenas metade dos blogueiros assume ter alguma atitude próxima da do jornalismo, como verificar os factos e sua ligação a fontes. Metade dos blogueiros diz mesmo nunca citar fontes ou outros media. 61% raramente pedem autorização para usar materiais, em termos de copyright, e mais de metade dos blogueiros usa pseudónimo no blogue.

O relatório Pew Internet & American Life Project projecta uma estimativa: apenas 8% dos utilizadores americanos de internet - 12 milhões de adultos, metade dos quais tem menos de 30 anos - mantêm um blogue. Contudo, estima-se que 57 milhões de americanos adultos leiam blogues, divididos entre homens e mulheres e com maior diversidade racial que o utilizador médio da internet (40% não são de pele branca).

quinta-feira, 20 de julho de 2006

NEWSLETTER DO OBERCOM

Foi agora distribuída a newsletter do OberCom respeitante a Julho.

Escreve Gustavo Cardoso, o seu director: "Um desafio traz consigo uma vontade de vencer. É com esse objectivo que iniciamos a nossa missão e que damos as boas vindas a todos os que têm acompanhado e trabalhado com o OberCom ao longo dos anos e a todos os que a nós se juntam neste momento".

O destaque vai para a antevisão dos estudos OberCom Jornalismo Hoje. Análise de 14 redacções de Jornais, Rádio e Televisão: "O projecto O Impacto da Internet nos Media em Portugal compõe-se de três áreas de análise: conteúdos online e offline; públicos de media em Portugal e Jornalismo. Através do estudo Jornalismo Hoje. Análise de 14 redacções de Jornais, Rádio e Televisão procura-se compreender as transformações suscitadas na actividade regular dos media após a integração e utilização da internet pelos jornalistas nas redacções de rádio, televisão e jornais generalistas e desportivos. Foram inquiridos neste estudo 340 jornalistas durante o ano de 2005".

Das sugestões de leituras de blogues feitas pelo OberCom para este mês, está o Indústrias Culturais.
UM LIVRO DE BARBIE ZELIZER

Em 2004, Barbie Zelizer fez sair o livro Taking journalism seriously. Professora de comunicação na Annenberg School for Communication, da Universidade de Pennsylvania, e antiga jornalista, Zelizer parte do princípio que, se o jornalismo é uma matéria a estudar, deve também sê-lo na investigação sobre jornalismo, duplicidade que ela vê como vital para a actividade.

Assim, para além dos conceitos, importa a sua aplicação, pelo que se torna evidente atender às forças que estão por detrás dos conceitos: indivíduos, organizações e grupos de pressão do (e no) jornalismo. A proposta de Zelizer assenta numa pesquisa sobre o jornalismo e várias disciplinas à sua volta, tais como sociologia, história, estudos da linguagem, ciência política e análise cultural, áreas a que dedica um capítulo a cada uma delas.

O seu ponto de partida é que o estudo do jornalismo provém de diferentes comunidades interpretativas, devido às diversas disciplinas que se têm proposto analisar. Comunidade interpretativa quer dizer que um fenómeno é interpretado, é resultado da leitura de textos interpretativos que reflectem perspectivas e argumentos diferentes conforme a comunidade. O objectivo da comunidade interpretativa não é resolver um problema mas compreender o significado.

Num livro muito bem feito, Barbie Zelizer aborda o jornalismo a partir das disciplinas enunciadas acima. Confesso que estou mais perto da interpretação sociológica, dado tê-la trabalhado mais frequentemente, mas reconheço a importância igual de outros campos, como a ciência política e os estudos culturais. A autora opõe-se, embora o elenque especificamente, à ideia de fim do jornalismo (pág. 204), cujas principais características são o aparecimento da CNN, a orientação dos jornais para o mercado e o seu decréscimo em termos de tiragens, o infotainment, a luta pelas audiências em televisão, o peso crescente da reality tv, o fim da objectividade e a incapacidade dos jornalistas protegerem as suas fontes. É que o seu interesse basilar consiste em saber como falam os jornalistas da sua actividade e como os investigadores observam o jornalismo (profissão, instituição, texto, pessoas e conjunto de práticas).

Leitura: Zelizer, Barbie (2004). Taking journalism seriously. News and Academy. Thousand Oaks, Londres e Nova Deli: Sage, 286 páginas, custo médio: €72,16 (capa dura).

DESAPARECIMENTO DE SILVERSTONE

Retiro do blogue Jornalismo e Comunicação a informação do falecimento de Roger Silverstone:
  • "do Departamento de Media e Comunicação da London School of Economics e um dos grandes especialistas internacionais dos media faleceu no passado domingo, na sequência de complicações surgidas após uma operação cirúrgica. Silverstone é autor de numerosos livros, traduzidos em diferentes idiomas, designadamente Television and Everyday Life (Routledge, 1994) (traduzido em quatro línguas), Why Study the Media? (1999) (traduzido em dez línguas, entre as quais português)".

quarta-feira, 19 de julho de 2006

EDIÇÃO PARA BREVE

Segundo a editora Campo das Letras, estará para breve a saída do livro:

50 ANOS DE RTP

Foram anunciadas ontem as iniciativas de comemoração dos 50 anos de emissão da RTP, a 7 de Março de 2007. Assim, haverá uma exposição itinerante, a percorrer os distritos do país, sobre quem faz a televisão e como se faz, do passado analógico ao futuro digital. Serão inauguradas a segunda fase do complexo de produção da RTP - e correspondente encerramento dos estúdios do Lumiar -, o arquivo da RTP e o museu da rádio e televisão. Ainda em 2007, serão editados um livro sobre a história da RTP e um DVD com uma colectânea dos grandes momentos das emissões.

Quanto à programação, a RTP vai criar um contexto de "unidade na produção de conteúdos" para assinalar o aniversário, numa "lógica de eventos em forma de talk show", para recordar os grandes momentos da história da RTP. Dois documentários feitos sob investigação do sociólogo António Barreto - sobre a história da televisão em Portugal e a mudança de hábitos provocados pela televisão -, um documentário de Joaquim Furtado sobre a guerra colonial (série de 50 episódios co-produzidos pela RTP e Televisão Pública de Angola) e as séries Grandes Portugueses e Conta-me Como Foi constituem os programas já anunciados para a celebração do seu 50.º aniversário.

[retirei a informação do sítio Meios e Publicidade, em peça assinada por Adriano Nobre]

terça-feira, 18 de julho de 2006

UMA VIDA NOVA

Como já aqui escrevera, passou hoje à noite na Cinemateca Portuguesa (Lisboa), em ante-estreia, o documentário Uma vida nova, de Nuno Pires. Narra a história de um casal que vai jovem para França e regressa a Portugal trinta anos depois, José e Guiomar Pires, os pais do realizador.



De 23 anos, com um mestrado em cinema tirado na Sorbonne, Nuno Pires aproveita os últimos dias de permanência dos pais em França, antes do regresso a Portugal, para fazer um retrato sociológico íntimo de uma família de emigrados nos começos da década de 1970. Acabado o serviço militar, José regressara a França, onde já estivera anteriormente, e casa com Guiomar.

Grande parte do filme de 24 minutos decorre em formato de longa entrevista aos progenitores de Nuno Pires: porque foram para França, porque regressaram, o que sentiram em cada uma das deslocações. Fica a saber-se que viviam perto de uma comunidade de emigrantes portugueses, onde compartilhavam a língua e os costumes, as alegrias e as recordações. Compravam mesmo bens alimentares numa loja de produtos portugueses: queijos, chouriços, pastéis de nata, bacalhau, vinho e garrafas de água com gás. As festas de familiares e amigos eram o centro da rede social de pessoas que trabalhavam muito, com eles a pensarem regressar a Portugal, para retomar a pequena horta e gozar de um clima menos húmido.

O casal teve dois filhos, que os antecederam no retorno a Portugal - que não sei se constituirá o paradigma de quem vai viver para França e cujos filhos aí nascem. Mas é sobre a educação dos filhos que surge um momento rico de informação, e que mostra a (insuficiente) integração de uma comunidade estrangeira no país de acolhimento, porque caldeada com uma cultura prévia de grande força. Sobre o filho mais velho, Guiomar confessou ter errado ao não incentivar a aprendizagem do francês antes da criança entrar na primária (a pequena escola, como disse, numa mistura saborosa entre o português e as expressões linguísticas francesas). A criança teve dificuldades em se adaptar à escola, o que não aconteceria com o filho mais novo, exactamente o autor do filme.

O regresso a Freixo de Espada à Cinta é uma espécie de descompressão psicológica. Voltam ao convívio de familiares e amigos, deixados 33 anos antes mas revisitados nas férias (onde acompanhariam a construção da casa). A este regresso, Nuno Pires chama parábola, de herança cultural transmitida de pais para filhos. E é sob o signo desta ideia que me fica o filme na memória: uma diáspora é sempre o transporte de elementos materiais mas também intangíveis, tais como a língua, os sabores, a roupa, as imagens religiosas em cima do armário.

Ler mais no sítio
Uma vida nova. O filme foi produzido por Hora Mágica, de Isabel Chaves. Sendo uma primeira obra e com ante-estreia na Cinemateca, o que prenuncia uma carreira de êxitos, realizador e produtora estão de parabéns.

UM MAGNÍFICO BLOGUE SOBRE CINEMA

Cinecultist. Crazy about movies é um blogue sobre cinema, filmes de culto, com notas, comentários e outras informações. Escrito por Karen Wilson, "a freelance writer and editor living in the East Village of New York City". Por vezes, escrevem também Jordan Foster, Josh Huffman e Seattle Maggie (Lee).

A espreitar e colocar Cinecultist nos blogues favoritos, dada a actualidade dos seus textos sobre filmes.

MEDIAXXI

O tema de capa da mais recente MediaXXI é a sétima Conferência Mundial de Economia dos Media realizada em Beijing (Pequim), no passado mês de Maio, subordinada ao tema "Globalização, media e diversidade". Presente na conferência, Paulo Faustino, director da revista, apresentou uma comunicação: Media concentration - new trends in Portuguese newspaper market. Faustino apresentou, na ocasião, a proposta para a realização da próxima conferência em Lisboa e Porto (21 e 24 de Maio de 2008), conforme referi aqui no blogue nessa altura.



Da revista agora editada, saliento ainda o dossiê sobre cinema português, em especial os textos de Pedro Luís Coito. Escreve este investigador: "No sector do cinema nacional existe uma lei que espera regulamentação há cerca de dois anos, uma das mais baixas quotas de mercado de cinema nacional e, paralelamente, uma cinematografia consagrada nos mais importantes festivais internacionais".

CINETEATRO

Agora que acabou o festival de Curtas em Vila do Conde, começam a 26 deste mês os Encontros Internacionais de Cinema, Televisão, Vídeo e Multimedia de Avanca (www.avanca.com). E outros festivais de cinema apoiados pelo ICAM incluem Ovarvídeo, Festival de Vídeo de Ovar, a arrancar em 22 de Setembro, Festival Europeu Temps d'Images, em Lisboa, a 3 de Outubro, e o DocLisboa, a 20 de Outubro.




Por seu lado, o Teatro da Trindade (Lisboa) tem em cena Jacques e o seu amo, de Milan Kundera, e O meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos, até quase ao final do mês.

segunda-feira, 17 de julho de 2006

CONSUMO DE CERVEJAS

Agora que o mundial de futebol acabou, vale a pena reflectir num dos seus efeitos: a publicidade ao consumo da cerveja. Para além das manifestações desportivas, lembro a passagem de ano na televisão e o apoio a festivais de música rock e pop.

Sagres (Centralcer), com fábrica em Vialonga, perto de Lisboa, e Super Bock (Unicer), com fábrica em Leça do Bailio, perto do Porto, as empresas dominantes em Portugal, têm feito elevados investimentos publicitários nos anos mais recentes. Dados recolhidos pela Marktest para o período de Outubro do ano passado a Março último apontam um investimento publicitário de quase 25 milhões de euros (a preços de tabela), 22 milhões dos quais gastos na televisão, seguindo-se a publicidade nos outdoors. Cerca de 61% deste bolo foi pago pela SuperBock. Estes valores não reflectem ainda dados de Verão, o período mais alto de consumo de cervejas.

Para além da publicidade na televisão e em outdoors, há também um valor significativo no cinema, à frente dos jornais e rádio. Isto quer dizer que a cerveja se associa à imagem, ao prazer do fresco reflectido no rosto de quem bebe. E, se a cerveja era do domínio do masculino, a presença de mulheres nos anúncios (cantora e actrizes de telenovela brasileira) significa o alargamento e consolidação do público-alvo. Aliás, um estudo divulgado a semana passada dá conta da mudança de hábitos, com as mulheres a consumirem mais bebidas.

Durante décadas, os sabores mantiveram-se, mas, no ano passado, começou a guerra pelos nichos de mercado, com novas submarcas e sabores (estendidos às águas, que fazem parte do portfólio das empresas). Assim, em Março de 2005, a Unicer lançou a SuperBock Twin e a Centralcer respondeu com três produtos: Sagres Zero, Bohemia e nova imagem da água Luso. Depois, a Centralcer fez sair, em Maio, a Luso Fresh, água menos gaseificada, respondida um mês depois com Pedras Salgadas, da empresa do Porto, já este ano. SuperBock Tango, com groselha, e Decider, com sidra, Abadia e Pedras Sabores, produtos da Unicer, combatem a Bohemia 1835 e a Sagres Chopp, da Centralcer, novos sabores produzidos quase à razão de um por mês. A saída da Bohemia, por exemplo, destinou-se a retirar quota de mercado ao vinho tinto, tendo alcançado já um valor de perto de 3%. Por outro lado, as cervejas com groselha e sidra implicam aculturações dos consumidores.

Um grupo de alunos meus desenvolveu um inquérito, em Novembro de 2005, junto a 150 pessoas. Do total dos inquiridos, 56% eram do sexo masculino, com 51,1% na faixa etária entre 20 e 30 anos. Estas idades são próximas das dos alunos, o que poderia enviesar os dados; contudo, há muitos festivais de música e outros espectáculos em que o consumo de cerveja serve este público jovem, pelo que o resultado final não será muito diferente. 36,6% das pessoas inquiridas eram estudantes, seguindo-se 20% de quadros médios.







Do universo inquirido, metade bebe as novas cervejas, com a maioria a fazê-lo fora das horas de refeições e no exterior do lar, correspondendo a consumo associado ao convívio (casa de amigos, cafés, bares, discotecas). Sabor e sensação são opções de escolha das novas cervejas.

Falar em cerveja em dias de canícula desperta um imenso desejo de apreciar um copo com uma bebida bem fresquinha. E lembra o bife da cervejaria Trindade. Ou da Portugália, tanto faz. Isto é, coisas boas, numa crónica mais leve.








Observações: 1) texto da crónica que passará hoje por volta das 10:00, na Antena Miróbriga Rádio ou 102,7 MHz (região de Santiago de Cacém), 2) dados recolhidos a partir da Marktest (que forneceu informação graciosamente, o que agradecemos), "DiaD" (suplemento do Público) de 3 de Julho último e trabalho dos alunos Filipa Rebelo, Joana Contreiro e João Santos (O consumo das novas cervejas nacionais), do ano lectivo 2005-2006, 3) a última imagem mostra um prato não com bife de vaca mas com bons materiais de carne de ave, embora não tão perfeito como o blogueiro gostaria; a leitura de um jornal, no caso o Diário de Notícias, foi "culpada" pelo forno ter ficado ligado ligeiramente mais tempo do que o necessário, mas a cerveja estava fresquíssima.